07
Fev16
muitos dias seguidos
Carolina
em dias normais o tempo que passamos juntos parece que não existe de tão pouco que nos parece, entre o acordar as seis da manhã, e o deitar à meia noite, o ginásio, o trabalho, as marmitas e o sentar para jantar já mortos, sobram muitas vezes aqueles minutos ao deitar na cama, uns dias mais pequenos que outros, em que trocamos umas palavras, ou só olhamos, o nada, porque alguém se atrasou a lavar os dentes e o outro já caiu num sono profundo...
diz que é a rotina, dizem muitos especialista que ela pode matar o casal, e dizem ainda que quando chegam os filhos tudo piora...
certo que os dias parecem pequenos para o estar juntos que todas as relações precisam para crescer e manter a solidez que as levou a serem relações.
dias normais, mal dão para discutir, mas mesmo assim ás vezes acontece que rebentam panelas de pressão que mostram todas as tensões dos dias que passam.
em dias não normais, as coisas são diferentes. férias,fins-de-semana, viagens, tempo a dois, onde se sucedem 24 horas umas às outras, onde muitas vezes somos o único ser falante com quem o outro vai ter um conversa, vai ver ou ouvir. estes dias são muitas vezes uma raridade e outros dias um desafio.
costumo dizer que as viagens longas são testes, testas à capacidade de improviso, testes a um rotina diferente da rotina, testes á capacidade de estar juntos, de reconhecer defeitos, de conhecer virtudes e capacidades, de ver as coisas de uma outra forma.
as viagens mostram o acordar e deitar, e ainda toda a mecânica física e comportamental de um dia, que passa a ser a dois, que passa a ser feito de conversa e silêncios, de parvoíces e situações sérias, de planos imediatos que podem ou não podem acontecer como esperamos.... viagens longas não planeadas aumentam a dificuldade deste desafio e aumentam a capacidade de conhecer o outro, e o funcionamento dos dois na relação. trazem mais momentos de tensão, mais necessidade de decidir rápido o que fazer, como fazer, uma gestão orçamental quase igual à dos dias normais e no final entre as discussões do ir ou não ir, do ter que dormir em camas separadas e partilhar uma casa de banho nada bonita com pessoas que não conheces, transformam-se em situações que passaram e daí não passam. e quando assim é, sais mais forte, saem mais fortes do desafio que é passar tanto muitos dias seguidos juntos.
todas as viagens são complexas, pela dimensão que podem ter, pelo que podiam ser e não foram, pelas opções e pelos caminhos diversos que se podiam ter feito, e como já sabemos nunca serão perfeitas, porque a perfeição é um fim, e as viagens nunca se acabam, mesmo quando chegamos a um suposto destino final, que muitas vezes é simplesmente o recomeço!
seja qual for a viagem, seja a de escolher viver com alguém o resto da vida, não sabendo bem a dimensão em tempo da vida, ou da vontade de quem escolhe fazer a viagem, seja uma viagem de férias, a surpresa, o inesperado, o bom e mau acontecem, porque é disso que se faz o viver, e é assim que o tempo acontece. aceitar e superar cada um dos acontecimentos de um caminho, guardar o que é bom, seguir com as lembranças que nos tornam pessoa e andar para a frente com a experiência pode fazer a diferença no tempo que está por vir. pode também não ser fácil e automático mas andar com as lembranças do que se viu, experimentou arrumadas é bom e recomenda-se e não precisa de ser nenhum psicólogo a dizê-lo.
muitos dias seguidos juntos, um desafio, uma viagem dentro da viagem, o presenciar de tanta coisa menos boa, do nosso melhor, do nosso sorriso mais feliz, da cedência pela felicidade da escolha do outro, da mega rabugice de sono, do mau feitio da fome, do tirar macacos do nariz para matar o tempo, do estar dois dias sem tomar banho, uma prisão de ventre que nos deixa prostrados na cama, os pés cortados de tanto andar, vestir roupa amarrotada, ter um ninho de cucos no cabelo, acordar com vontade de matar alguém e comer sopa da mãe, não gostar de um sitio onde se está, não querer andar aos saltos num autocarro noturno, escolher em função do futuro, fugir ao zica, ir ao encontro dele, escolher dormir barato para poder alugar carro, lavar a loiça, dormir e cozinhar em hosteis manhosos, acordar com despertador, carregar a mochila quando não temos pernas para nos carregar a nós, e a lista podia continuar...
muitos dias seguidos juntos, um desafio, uma viagem dentro da viagem, o viver tanta coisa boa, acordar e ver sempre alguém ao nosso lado, conhecer lugares fantásticos e viver isso juntos, aprender a caminhar a um ritmo conjunto, aquela massagem na barriga, fazer a nossa comida longe de casa e cheirar a nossa casa, andar num glaciar de mãos dadas, ver o céu mais azul do mundo, ver estrelas cadentes em bagan em cima de uma bicicleta electrica às 5 da manhã, bem agarrados, beber vinho branco de frente para a opera house, perceber a dimensão da patagónia chilena em silêncio, caminhar dez horas seguidas e contemplar a natureza da patagónia argentina, andar de mão dada sem relógio pela cidade e sem pressa de ter onde chegar, cair em mar azul cristalino e transparente juntos e despenteados, chegar ao fim do mundo e ter a sensação que é o começo, caçar soís a ao nascer e findar do dia, beber malbec como se fosse a melhor casta do mundo, os milhões de beijos que se podem dar em 30 e alguns dias, os abraços, as viagens em que somos a almofada um do outro, ver os carimbos no passaporte, o pensar no futuro diante do presente fantástico que é conhecer o mundo, recordar outras viagens por comparação, pensar no que fazer a seguir... acordar e adormecer juntos, não ter vontade de voltar já, e olhar um para o outro e querer continuar a viagem ...
muitos dias seguidos sempre juntos é desafiante, é feito da vida normal com o bom, o mau, elevado ao extremo de ser intenso e nos poder cansar ou fazer bem felizes...
e se ao fim de tantos dias seguidos há vontade de continuar a viagem, é certo que ela seguirá pelo mundo, pela rotina dos dias normais, pelos caminhos que vierem.
foi há quase dois meses, demos mais kms a uma viagem que começamos aos solavancos há mais de 6 anos, há quase um mês e meio saímos pelo mundo, num projecto escolhemos para nós juntos, desorganizado e meio torto que nos trouxe até aqui, ao momento em que esta viagem na viagem se aproxima da próxima etapa... o que sabemos agora?
o caminho continua, o mundo é gigante, há mais estrada para percorrer, e temos muita vontade de casar outra vez ... :)
Photo: http://www.goldendaysphoto.com/
o caminho continua, o mundo é gigante, há mais estrada para percorrer, e temos muita vontade de casar outra vez ... :)
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